terça-feira, 11 de janeiro de 2011




CIRCO BRASIL


           
            É engraçado ser humano. É engraçado ser chamado de racional quando nosso corpo sucumbe à irracionalidade furiosa do mundo material; e chega a ser cômico o nosso comportamento de palhaço diante do picadeiro infindável que se estende ao nosso redor.

E aqueles que se dizem donos deste mundo circense nos escolheram para atuar nele como artistas. É isso mesmo: somos os maiores artistas a pisar neste palco. E aqueles que nos fizeram assim, nos disseram para pintar a cara, pôr uma roupa colorida e uma bola vermelha no nariz, e foi assim que nos fizeram palhaços.
Feito isto, chamaram seus familiares e amigos, sentaram nas arquibancadas e começaram a se divertir enquanto nós, artistas, fazíamos o nosso papel: Divertir a burguesia e, com isto, fazer com que nossos superiores se sentissem felizes e realizados.

            Nossos espetáculos tinham números novos quase que diariamente, e os donos do circo tratavam logo de divulgar o show:

            ­­“Hoje, imperdível! O palhaço João morre de fome junto com seus quatro filhos. Logo após, a palhacinha Marta, de apenas oito aninhos, vai vender drops no sinal para levar comida para casa; e para fechar o espetáculo com chave de ouro teremos a Troupe Circense Meninos de Rua, com o espetáculo: Ei, Dona Maria, me dê um prato de comida e uma roupinha velha que eu estou morrendo de fome e de frio.”

O resultado já era de se esperar: Arquibancadas lotadas, e os pagantes exigiam bis.

            Não gostávamos de atuar. Desejávamos ardentemente o fim de tudo aquilo, tanto que fomos falar com os patrões que, para aliviar a barra, fizeram um trato conosco:

            -A partir de hoje vocês serão profissionais.

            E foi aí que legalizaram a profissão de palhaço. Pensamos:

            “Que bom, agora que somos profissionais, tudo mudará”

            E parecia que mudaria mesmo. Recebíamos uma ajudinha para comprar o gás de cozinha, e as crianças tornaram-se o nosso comércio particular, pois nossos patrões falaram que se elas fossem à escola, receberíamos uma tal de bolsa auxílio. A idéia foi tão boa que logo foi incluída como o ápice dos nossos espetáculos.

Assim vieram os shows seguintes: Palhaça Maria morre de sede no sertão nordestino; palhaços ambulantes pagam propina para poder trabalhar; bandidos sequestram dois bobos da corte; palhaço José é vítima de um assalto, acaba ferido e pode perder a perna por negligência médica.
            Depois de tanto trabalho, ficamos cansados e novamente pensamos em abandonar tudo. Foi então que tivemos a notícia de que o circo mudaria de dono e que quem escolheria o novo comandante seríamos nós. Os candidatos a dono do circo começaram a aparecer. No princípio pareciam muito legais. Apertavam nossas mãos, colocavam nossos filhos nos braços, nos davam roupa, comida... Diziam que se os escolhêssemos, tudo mudaria, teríamos moradia, saúde e emprego. Nossos espetáculos mudariam pra melhor.

            Foi então que começamos a convencer nossos amigos e familiares a votar naquele que nos prometia mais melhorias. Porém, quando escolhíamos, tudo voltava a ser como antes. Às vezes até piorava. 

De quatro em quatro anos, escolhíamos um novo dono, e sempre aconteciam às mesmas coisas: choviam promessas, mas depois nada se concretizava. Foi aí que cansamos de escolher as pessoas erradas e resolvemos votar em um dos nossos. Escolhemos um “companheiro palhaço” como a gente.

            Com o passar do tempo, começamos a perceber que nosso escolhido não estava conseguindo cumprir com as promessas feitas. Nos pediu paciência, falou que tudo melhoraria. Mas palhaço que tem fome não come promessas; palhaço que tem sede não bebe paciência, pois não dá pra ficar matando a sede na saliva.

            E o nosso ex-palhaço, agora dono do circo, até tentou fazer com que deixássemos de ser artistas e pensou em nos dar outra profissão, mas logo vieram seus novos “companheiros” e falaram que ele não fizesse isto, que era melhor nos deixar como estávamos. Afinal, estávamos bem. Palhaço é profissão, bobo é quem ri.

            Bobo é quem faz da morte um espetáculo; quem faz da fome seu sustento. Bobo é quem faz da sede o seu oásis e da felicidade alheia o seu lamento.

Bobo é quem consegue sentar nas arquibancadas do circo dos miseráveis e sorrir, deliciando-se com o espetáculo lamentável dos palhaços da vida.

            Por fim, digo que bobo é quem está lendo esta crônica neste exato momento e não se identificou como sendo um palhaço. E você, que continua lendo e não consegue se identificar como sendo um dos nossos, vamos nos apresentar: Muito prazer. Somos palhaços. Mas pode nos chamar de povo brasileiro.


Um comentário:

Botem a boca no trombone!!!