quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Hoje vou dar um tempinho nos textos de minha autoria para postar um de uma escritora de Recife que tive a oportunidade de conhecer quando fazia faculdade de jornalismo em Campina Grande. Adoro esse texto da Alaíde Correia Lima... Leve, engraçado e sagaz. Com vocês...





SEXO NA ESCOLA

                - Tio, o que é sexo?
            Na idade de Cristo, solteiro, ele nunca se preocupara com educação sexual de crianças, não estava preparado para ouvir perguntas que tais.
            A sobrinha o encarava, os grandes olhos fixos nele. Como explicar a essa menininha de rosto angelical, sete anos incompletos, o significado de algo que transcende os seres humanos, ora sublime, ora grotesco, ou maravilhoso ou execrável?
            ... que move o sol e outras estrelas...
            Não, isso aí é o amor. Ah, certamente deveria vinculá-lo à noção de amor, sim, seria da mais alta relevância.
            - Sexo é o que um homem e uma mulher fazem...
            - A pessoa não já nasce com ele não?
            - Nasce, é necessário ter sexo para fazer sexo.
            - Quando nasce já tem, e ainda é preciso fazer?
            - Bem, fazer sexo, ou fazer amor que é a mesma coisa...
            - Sexo é a mesma coisa que amor?
            - Não, não. Fazer sexo é o mesmo que fazer amor. Mas se pode fazer sexo sem amor.
            - E amor sem sexo?
            - Existe. Quando não se pode fazer.
            - Por que não se pode fazer? É sem-vergonheza?
            - Não é isso. É que...
            - Precisa ter amor para fazer amor?
            - Não. Para fazer amor não se precisa ter amor.
            - O amor junta as pessoas, não é, tio?
            - É, sim.
            - E o sexo também junta?
            - Junta.
            - Não separa?
            - Às vezes separa.
            A porta da sala se abriu e entrou a mãe da garota. Felizmente.
            - Janaina me perguntou o que é sexo.
            - Por que você quer saber isso, Janaína?
            - porque a professora disse que, amanhã, para o ensaio da festinha, as turmas vão ser separadas Por sexo.
           

terça-feira, 11 de janeiro de 2011




CIRCO BRASIL


           
            É engraçado ser humano. É engraçado ser chamado de racional quando nosso corpo sucumbe à irracionalidade furiosa do mundo material; e chega a ser cômico o nosso comportamento de palhaço diante do picadeiro infindável que se estende ao nosso redor.

E aqueles que se dizem donos deste mundo circense nos escolheram para atuar nele como artistas. É isso mesmo: somos os maiores artistas a pisar neste palco. E aqueles que nos fizeram assim, nos disseram para pintar a cara, pôr uma roupa colorida e uma bola vermelha no nariz, e foi assim que nos fizeram palhaços.
Feito isto, chamaram seus familiares e amigos, sentaram nas arquibancadas e começaram a se divertir enquanto nós, artistas, fazíamos o nosso papel: Divertir a burguesia e, com isto, fazer com que nossos superiores se sentissem felizes e realizados.

            Nossos espetáculos tinham números novos quase que diariamente, e os donos do circo tratavam logo de divulgar o show:

            ­­“Hoje, imperdível! O palhaço João morre de fome junto com seus quatro filhos. Logo após, a palhacinha Marta, de apenas oito aninhos, vai vender drops no sinal para levar comida para casa; e para fechar o espetáculo com chave de ouro teremos a Troupe Circense Meninos de Rua, com o espetáculo: Ei, Dona Maria, me dê um prato de comida e uma roupinha velha que eu estou morrendo de fome e de frio.”

O resultado já era de se esperar: Arquibancadas lotadas, e os pagantes exigiam bis.

            Não gostávamos de atuar. Desejávamos ardentemente o fim de tudo aquilo, tanto que fomos falar com os patrões que, para aliviar a barra, fizeram um trato conosco:

            -A partir de hoje vocês serão profissionais.

            E foi aí que legalizaram a profissão de palhaço. Pensamos:

            “Que bom, agora que somos profissionais, tudo mudará”

            E parecia que mudaria mesmo. Recebíamos uma ajudinha para comprar o gás de cozinha, e as crianças tornaram-se o nosso comércio particular, pois nossos patrões falaram que se elas fossem à escola, receberíamos uma tal de bolsa auxílio. A idéia foi tão boa que logo foi incluída como o ápice dos nossos espetáculos.

Assim vieram os shows seguintes: Palhaça Maria morre de sede no sertão nordestino; palhaços ambulantes pagam propina para poder trabalhar; bandidos sequestram dois bobos da corte; palhaço José é vítima de um assalto, acaba ferido e pode perder a perna por negligência médica.
            Depois de tanto trabalho, ficamos cansados e novamente pensamos em abandonar tudo. Foi então que tivemos a notícia de que o circo mudaria de dono e que quem escolheria o novo comandante seríamos nós. Os candidatos a dono do circo começaram a aparecer. No princípio pareciam muito legais. Apertavam nossas mãos, colocavam nossos filhos nos braços, nos davam roupa, comida... Diziam que se os escolhêssemos, tudo mudaria, teríamos moradia, saúde e emprego. Nossos espetáculos mudariam pra melhor.

            Foi então que começamos a convencer nossos amigos e familiares a votar naquele que nos prometia mais melhorias. Porém, quando escolhíamos, tudo voltava a ser como antes. Às vezes até piorava. 

De quatro em quatro anos, escolhíamos um novo dono, e sempre aconteciam às mesmas coisas: choviam promessas, mas depois nada se concretizava. Foi aí que cansamos de escolher as pessoas erradas e resolvemos votar em um dos nossos. Escolhemos um “companheiro palhaço” como a gente.

            Com o passar do tempo, começamos a perceber que nosso escolhido não estava conseguindo cumprir com as promessas feitas. Nos pediu paciência, falou que tudo melhoraria. Mas palhaço que tem fome não come promessas; palhaço que tem sede não bebe paciência, pois não dá pra ficar matando a sede na saliva.

            E o nosso ex-palhaço, agora dono do circo, até tentou fazer com que deixássemos de ser artistas e pensou em nos dar outra profissão, mas logo vieram seus novos “companheiros” e falaram que ele não fizesse isto, que era melhor nos deixar como estávamos. Afinal, estávamos bem. Palhaço é profissão, bobo é quem ri.

            Bobo é quem faz da morte um espetáculo; quem faz da fome seu sustento. Bobo é quem faz da sede o seu oásis e da felicidade alheia o seu lamento.

Bobo é quem consegue sentar nas arquibancadas do circo dos miseráveis e sorrir, deliciando-se com o espetáculo lamentável dos palhaços da vida.

            Por fim, digo que bobo é quem está lendo esta crônica neste exato momento e não se identificou como sendo um palhaço. E você, que continua lendo e não consegue se identificar como sendo um dos nossos, vamos nos apresentar: Muito prazer. Somos palhaços. Mas pode nos chamar de povo brasileiro.


domingo, 9 de janeiro de 2011

A visita

Boa Madrugada gente!

Pois é... madrugada. Quase uma da manhã e eu acabo de escrever mais um texto para o Talas de Bambu e resolvi postar imediatamente, pois esse é o momento ideal para esse post!  Espero que gostem!




A Visita

Os ponteiros do relógio sobrepunham-se um ao outro, maior sobre menor, como se estivessem engatados em uma conexão tão perfeita que me davam a impressão de que aquela pausa momentânea onde os dois tornavam-se um, tinha um quê de sexual. A madrugada já dava o ar de sua graça desacelerada, transformando as ruas soturnas em um lugar inabitável para vivas almas.
Aqui dentro do meu minúsculo apartamento, resolvi, meio que a contra gosto, desligar o computador e lançar-me nos braços de Hipnos, esperando que não demorasse muito para que ele me transportasse para os braços de Morpheus.
Lacrei a porta do meu templo de sonhos na intenção de impedir a invasão de qualquer som ou réstias de luz e entreguei meu corpo seminu aos caprichos das molas ortopédicas e das penas de ganso. Baixei as cortinas dos telões de minhas retinas, encerrando as projeções daquele dia. Envolvi-me em seda branca e deixei minha respiração e meus pensamentos se tranquilizarem.
Foi então que ela me surpreendeu. Eu não estava sozinho como imaginava. A Dama misteriosa foi se aproximando devagar, taciturna, deslizando suas curvas perigosas sobre os lençóis, seduzindo-me, tragando minha alma e me deixando entregue aos seus caprichos.
Meu corpo começou a ficar quente. As gotículas de suor escorreram sob minha pele desnuda e o calor que de repente fez-se presente fez com que a fina seda que me cobria parecesse um pesado cobertor de pelos. Livrei-me imediatamente dos lençóis, o que me deixou mais vulnerável às investidas daquela sedutora.
Ela não perdeu tempo. Rapidamente enroscou-se em mim, rareando o ar, me deixando atônito. Os travesseiros também estavam quentes. Virei-os e revirei-os, tentando encontrar um pouco de frescor para minha nuca borbulhante. Não adiantou. Eu estava sob ela, totalmente inerte, entregue. Por um momento, tentei não sucumbir aos seus caprichos, mas o poder que emanava daquela presença reprimia meus sentidos.
A cama estava totalmente desarrumada. Os movimentos que eu fazia eram rápidos, intensos, quase que desesperados. Àquela altura do campeonato, meus cabelos já estavam desgrenhados, minhas pernas estavam retesadas, doídas. Todos os meus sentidos estavam intensamente vívidos – mesmo que o cansaço já se fizesse presente – alertas, eletrizados, como se fossem fios desencapados digladiando-se uns com os outros.
Não adiantava resistir aos apelos daquela intrusa. Todas as tentativas de tomar o controle da situação eram vãs. Ela era a dominatrix, eu o seu escravo.  Açoitava-me com seu chicote invisível, dando risadas cínicas quando eu, não resistindo mais, dava longos suspiros ou reclamava das dores que começava a sentir nas costas.
Quando pensei que não conseguiria mais escapar da teia traiçoeira daquela viúva negra, consegui surpreendê-la em um momento de distração e acendi a luz do abajur. Ela olhou-me com cara de surpresa por um pequeno instante, eu retribuí o olhar e finalmente pedi-lhe por clemência como se fosse um condenado implorando por liberdade:
- Deusa Insônia, deixa-me dormir.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sonhar não!

       Hj me peguei pensando em como mudei meu comportamento ao longo do anos. Nossa! Quando eu era adolescente, eu sonhava pra caramba. E não era dormindo não, era acordado mesmo. Pq será que hj
em dia eu sonho tão pouco, hein? Será que as decepções me tornaram uma pessoa "Insonhável" ? rs

      Bem, o fato é que hj eu vou postar um texto de minha autoria que fala de sonhos e  pesadelos... Espero q gostem!



SONHAR NÃO!

             Esta noite eu tive um sonho. Sonhei que não podia mais sonhar; que estava em um mundo totalmente cruel e materialista, e as autoridades faziam questão de lembrar à população: SONHAR NÃO!

            A partir daquele momento o caos se instalava no mundo real. Viver nele era difícil, pois tinham nos tirado a única coisa que amenizava o sofrimento diário de viver: Sonhar... A arte de projetar nossos desejos mais profundos em um lugar escondidinho que liga diretamente a cabeça, a alma e o coração. E o discurso se seguia: SONHAR NÃO!
            Os africanos definhavam cada vez mais, pois não podiam mais sonhar matando a fome e a sede, não podiam mais desejar o fim do sofrimento e a chegada de um salvador que trouxesse o contentamento de dias melhores.

            Os norte-americanos viviam o seu pior pesadelo: o de cair na realidade cruel de que não eram o centro do universo. Não podiam mais sonhar que o mundo girava em torno dos seus próprios umbigos e que o resto do universo era seu serviçal. Não sonhavam mais com o mundo prostrando-se diante deles. Agora se viam projetados em cenas de guerra em que eram os bandidos, não podiam mais sonhar com a ilusão de serem os mocinhos que pelejavam por um mundo melhor.

            Ah, como era cruel não poder sonhar. A realidade jogava na nossa cara, do seu modo mais cruel, que o inferno era aqui.

            Os meninos de rua, os sem teto, os sem terra e todos os outros “sem” agora se juntavam ao resto da humanidade em um novo grupo social: os sem sonhos.

            SONHAR NÃO! Os sonhos tinham sido proibidos, mas os pesadelos estavam totalmente liberados. Inclusive era o que mais fazíamos: pesadelávamos todo dia, toda hora, todo instante.

            Os afegãos pesadelavam com novas guerras, os nossos japoneses já não eram os mais criativos. Os argentinos tinham pesadelos terríveis com novos dias de recessão econômica enquanto os cubanos temiam outro ditador de grande crueldade e os sul-africanos pesadelavam com a pior de todas as pragas: a indiferença, que juntamente com a AIDS, se apossara daquela nação.

            Pelos quatro cantos da terra, o som terrível de gritos imponentes se alastrava. SONHAR NÃO!

            No Brasil não era muito diferente. Nossos atletas não sonhavam mais com vitórias, nosso povo pesadelava o pior pesadelo da nação: nossos governantes rodeados de corrupção. Os sonhos de acabar com a prostituição infantil, de pôr um fim nas inúmeras guerras civis, nas diferenças sociais, na mortalidade infantil, no descaso com os idosos, no preconceito vivido pelos deficientes, negros e homossexuais... Nossos sonhos de viver em uma sociedade justa e igualitária para todos fora arrancado do nosso peito.

            Oh, pátria amada Brasil, éramos proibidos de te engrandecer, de admirar tua soberania, de sonhar com essa possível soberania. O grito de misericórdia do teu povo fora silenciado pelas autoridades que desejavam um mundo submisso à suas vontades e interesses. Eles podiam sonhar, nós? A estocada era forte, fria e cruel para nossos ouvidos: SONHAR NÃO!

            Ouvia-se em todo teu território, de um povo heróico o brado retumbante: oh pátria amada, idolatrada, salve! Salve! Salve o seu povo do destino cruel de viver num mundo sem sonhos. Salve os seus habitantes da crueldade de não poder enxergar, em meio a tanto sofrimento e desolação, um momento que seja da alegria sonhadora de estar vivo e sentir que vale a pena continuar vivendo.

            Mas a única coisa que se ouvia era o coro sem razão: SONHAR NÃO!

            Brasil, um sonho intenso... Um sonho intenso de um dia voltar a sonhar. E com o eco desse coro descomunal, do meu triste sonho de não poder sonhar eu despertei. Aquilo mexera comigo. Minha respiração estava ofegante, meus olhos cheios de lágrimas. Ah! Como era importante poder sonhar. Mas percebi também que sonhar apenas não era o bastante, todo sonho vem acompanhado do mais profundo desejo de ser realizado.

            Como é bom sonhar com a realização de um sonho...


            Bom é poder observar o luar ao lado de quem se gosta. Bom é acordar atrasado, faltando dez minutos para chegar ao trabalho, e descobrir que dez minutos, de repente, podem se transformar em uma hora.

 Bom é dizer bom dia. Bom é ter um bom dia! Bom é cochichar no pé do ouvido, beijar, abraçar... Amar. Bom é ter um pai e uma mãe, bom é ter coragem para dizer: TE AMO PAI, TE AMO MÃE. Bom é tomar café da manhã, almoçar e jantar; melhor ainda é respirar, ouvir, enxergar, falar, andar e ter todos os sentidos aguçados com um beijo ao despertar.

Bom é ir ao cinema, ler um bom livro, cantar debaixo do chuveiro, sair com os amigos. Bom é ter amigos... Mas amigos verdadeiros, daqueles que te decepcionam por falar a verdade, mas que ao enxergarem a sua decepção, se jogam em teus braços em um caloroso abraço e te pedem perdão, desencadeando a mais sonora das gargalhadas...

Bom é dar gargalhadas, sem razão e hora certa, daquelas que pegam seu amigo de surpresa, provoca-lhe um susto e segundos depois o convida para compartilhar risadas que, de tão fortes e incontroláveis, te fazem chorar...

Bom é chorar, seja um choro de tristeza que alivia a alma, seja um choro de emoção, ao ver que um sonho acaba de se realizar, seja um choro de alegria ao perceber que no nascimento do seu filho, todos os seus sonhos parecem se materializar de forma tão pequenina, mas tão avassaladora.

Tudo isso é vida, e bom? Bom mesmo é viver.

Mas melhor que tudo isso é saber que todas essas coisas se resumem em uma só palavra: SONHOS. Sonhos que já realizamos ou que ainda vamos realizar, mas que já fazem parte das nossas vidas. Sonhar é viver.

Pois é, eles podem se realizar! E diferentemente do meu sonho, você não foi proibido de fazê-lo, então... Sonhe, porque sonhar é preciso e realizar é necessário.



         

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Flores da Vida



      Hoje resolvi fazer uma homenagem a todos os meus amigos-flores! Espero que, ao lerem o post de hj, cada um dos meus amigos possam se identificar em algum momento! Vcs são especiais pra mim!


FLORES DA VIDA

Amizades são flores na árvore da vida, e como se tivessem sido regadas por uma chuva de verão, nascem no fundo da alma, fazendo de um ser, morada.

Mas essa flor não é calada, não pára em paradas, não tem raiz e por isso é levada. Retirante de mim, navegante sem fim, deixa seu ser e cai na estrada. Porém vai despetalada. Hora aqui, hora ali... Sai deixando marcas que serão pra sempre lembradas por um coração cultivado, que se sente vazio por não ter sido levado pela flor que partiu.

Minh´alma é jardim secreto, florido de amigos de todas as cores, de todos os tons, de todos os dons, de todas as raças e pirraças, de todos os sons.

Alguns são “amigos-trevo”, pois me trazem muita sorte. Alguns são “amigos-azaléias”, pois trazem um pouco de alegria e colorido para os dias frios e solitários de inverno. Outros são “amigos-calêndulas”: abrem suas pétalas assim que o sol nasce, e as fecha na hora em que ele se vai. Alguns são “amigos-flor-de-lótus”, espirituais e puros, que emergem limpos e imaculados das águas turvas e lodosas; outros são “amigos-violetas” pequeninos e frágeis, mas perfeitos e companheiros.



Tem aqueles que são extremamente raros, dificeis de aparecer, mas quando aparecem, uma vez por ano, nos enche de alegria com sua beleza, a esses, chamo de “amigos-orquídeas”. Tem também os “amigos- rosa” aparecem quase que diariamente, são de diferentes cores e estilos, algumas pessoas dizem até que são amigos muito comuns e que não merecem tanta atenção, mas quem não se derrete todo ao receber rosas de presente?




Nesse jardim, existem aqueles amigos cheios de amores secretos, são os famosos “amigos-acácias”, e bem pertinho das acácias estão os “amigos-amor-perfeito” desses eu nem preciso falar nada, o nome fala por si só.


                                                                       

  Bem secretamente, cultivo em meu jardim o “cravo rosado”. É o meu preferido. Sei que não deveria ter um escolhido, mas os “amigos-cravo-rosados” me conquistaram mais ardentemente, não consigo evitar a preferência.   


Lá no portão do meu jardim, cultivo os “amigos-crisântemos” que carregam a essência da verdade em todas as suas pétalas; os cultivo bem na entrada, para que eles possam me fazer uma pessoa verdadeira e íntegra. Quem me ensinou isto foi um feiticeiro que vive em meio aos meus amigos-flores, o nome dele é Lírio, um senhor misterioso, mas muito sábio.



Os “amigos-flores-de-narciso” também estão lá, e pelo que pude observar esta manhã, ao caminhar pelo meu lugar secreto, os “amigos-flores-de-narciso” são um pouco vaidosos, adoram ficar nas margens dos rios para ter suas imagens refletidas nas águas e dessa forma ter sua beleza admirada por todos que por ali passarem. Às vezes acho que esses amigos são um pouco egoístas, mas sei que são importantes para mim, por isso insisto em cultivá-los. Mas faço questão de plantar, bem ao lado deles, os “amigos-jasmins” para que eles possam enxergar outras belezas e entendam que há outras coisas pra se admirar.



Lá no coração do meu lugar secreto, plantei um “amigo-girassol”. Ele sempre está lá, cheio de glória, forte e imponente, é fascinante olhar para ele. 




Uma espécie muito intrigante que cultivo é o “amigo flor-do-não-me-toque”, é difícil de se conviver com esse tipo de amigos. Não aceitam nossos conselhos, nos interpretam mal, e às vezes fico sem paciência com eles, mas depois entendo que são frágeis e só querem se proteger.




Eu mesmo tenho mania de proteger os habitantes do meu jardim. Sempre que os vejo saindo com urtigas ou plantas carnívoras, fico preocupado, triste e aflito; até tento aconselhá-los, mas às vezes é bom que alguém chegue a nos despetalar, pois só assim aprenderemos a viver nos jardins da vida.



Somos flores, somos ponte, somos fonte que alimenta a coragem de viver. Mas somos humanos, somos falhos, e é através do verdadeiro sentimento de amizade que desabrochamos, que florescemos, que crescemos.


                               AMIGOS SÃO FLORES DA VIDA: CULTIVE-OS!




  


            Thiago Almeida.

           

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Amor Verdadeiro?




O amor está na moda. Por todos os cantos que passo, tudo parece igual: sempre tem alguém sofrendo por amor. Dizem que vão morrer, que não aguentarão a dor da separação... Essas coisas típicas que a maioria das pessoas que se dizem apaixonadas costumam exteriorizar em momentos de decepção amorosa.
Parece que todos estão em busca do amor verdadeiro e, pelo jeito, tudo indica que essa busca nunca terá fim. Pois a verdade é que as pessoas não sabem o que é o amor. E quando falo que as pessoas não sabem o que significa esse sentimento, estou me incluindo entre os insábios, pois começo a acreditar quando ouço a Vânia Abreu cantarolar em uma de suas canções que “o amor foi inventado pra vender as flores, foi inventado pra curar as dores (será?) pra rechear as frases dos cartões...”
Acho que o amor verdadeiro é meio falso, pois não é possível que uma pessoa que diz amar verdadeiramente assine contratos pré-nupciais ou coisas desse tipo. O amor virou comércio, e o nosso privilégio é que, em um futuro bem próximo, poderemos comprar o amor que quisermos: Escolheremos a cor, o modelo, os itens de série. O amor é o carro do futuro, e de acordo com o dinheiro que você possuir, poderá comprar sua Ferrari predileta, ou contentar-se com o fusquinha que você tem em casa.
Enquanto este futuro aterrorizantemente próximo não chega, resta-me imaginar o que seria realmente o amor verdadeiro desejado por tantos e possuído por tão poucos, ou por ninguém.
E então minha mente começa a viajar imaginando o que seria tal sentimento, e as palavras começam a se juntar no emaranhado dos meus pensamentos, exteriorizando a insensatez que, acredito eu, torna-se um pensamento quase que universal, pois imagino que minhas loucas palavras expressam o que todo “Indiana Jones do amor” busca.

         Se o amor fosse grão de areia, moraria no mar só para poder senti-lo de todas as formas. Viveria no deserto só para sentir o calor de um grande amor tomar conta de mim.
         Se o amor fosse cor, desejaria o fim da tempestade só para avistar o mais lindo arco-íris no céu do meu bem querer, e procuraria insistentemente pelo pote de ouro, que em minha mente se transforma em pote de desejos, que se encontra no final do arco de cores que emana do teu coração.
        Mas se ele fosse sabor, desejaria todos os dias o gosto dos teus lábios em minha boca, que hoje se faz vazia pela falta do teu beijo no paladar do meu ser.
        Se o amor fosse céu, desejaria asas para alcançá-lo. Se fosse o vento desejaria ser a folha que por ele é levada sem rumo e sem destino.
Se fosse roupa desejaria vesti-lo, se fosse comida pediria um banquete e se fosse mel, desejaria o favo celeste que adoçaria meu viver.
        Se o amor fosse música, dançaria juntinho, cantaria no pé do teu ouvido, baixinho. Se fosse filme, desejaria vê-lo no escurinho, sempre acompanhado, nunca sozinho, de mãos dadas, abraçados, em seus ombros recostado, fazendo carinho.
        Se o amor fosse Internet, desejaria uma banda larga, uma conexão permanente. Um e-mail apaixonado, uma mensagem no celular, um bate-papo, uma foto, uma web-cam. E mesmo que fosse virtual, desejaria uma frase bonita e um beijo, que mesmo distante, acalentaria meu desejo.
        Se fosse telefone, te ligaria sem hora marcada, no meio da madrugada, e diria tudo que sinto por você.
        Se fosse confiança, a ti entregaria. Se fosse secreto, te guardaria a sete chaves no cofre sagrado do meu coração.
        Se fosse proibido, comeria deste fruto mesmo que me mandassem embora do paraíso. E se o amor fosse paraíso, o paraíso seria aqui, pois é aqui que você se encontra.
       Se o amor fosse o mar, meu coração seria um barquinho, navegando sozinho pelas águas calmas do teu oceano.
       Se fosse tristeza te daria minhas lágrimas, e se fosse alegria, minha alma, ao te ver, por inteira sorriria.
       Se fosse matemática, pela primeira vez na minha vida eu não a detestaria. Se fosse jornalismo, colocaria manchetes em todos os jornais declarando meu amor por você, e se fosse química, que fosse a nossa.
       Se o amor fosse um encontro de almas, te ligaria e marcaria este encontro, e se ele fosse cego, te namoraria em braile, deixando minhas mãos correrem soltas a decifrar teu corpo por inteiro.
       Se fosse cama, dividiria meus lençóis; se fosse sonho desejaria a realização do mesmo, e se fosse pra acordar desse sonho, que eu abrisse meus olhos e te enxergasse ao meu lado.
       Se fosse compreensão, te entenderia. Se fosse consolo, daria meu ombro para você chorar.
       Se o amor fosse falta de ar, te daria meu ultimo suspiro, e se fosse respirar, ao fazê-lo, sentiria teu cheiro como se fosse o perfume da mais bela rosa a inebriar meus pensamentos, me deixando sem rumo a procurar-te no tempo. E se o amor fosse tempo, toda vez que te encontrasse, pararia meu relógio, fazendo com que nossos momentos se tornassem eternos.

      Depois dessa viagem pelo que poderia ser o verdadeiro amor, começo a acreditar que ele até pode existir, mas se esse sentimento for tudo isso que acabei de escrever, falem a verdade, vai demorar um pouco para que todos possam alcançá-lo, concordam? Pois nosso egoísmo e egocentrismo não dariam lugar para vivermos todos esses momentos da forma que eles deveriam ser vividos.
      Enquanto esse dia imaginário e tão desejado não chega, resta-nos tomar um banho, vestir uma roupa bonita, por um perfume sedutor e ir à luta pelo amor da moda. Para você que quer guerrear, nunca esqueça da roupa, do perfume... Ah, e principalmente, jamais deixe de lembrar-se do cantarolar da Vânia: “O amor é propaganda de refrigerante, tá na formiga, tá no elefante, dentro de mim, tá dentro de você.”


                     Thiago Almeida.
  


terça-feira, 4 de janeiro de 2011



O Velho viúvo de barbas encardidas e cabelos desgrenhados passava boa parte de suas 24 horas diárias mantendo-se ocupado em sua pequena loja de aves, rodeado por gaiolas de todos os tamanhos e pássaros das mais diversas espécies.
Desde que sua amada esposa falecera, três anos atrás, uma hora após dar a luz ao seu  filho Valentim, o dono da loja de aves vinha, aos poucos, ficando cada vez mais amargo e vazio. Era um homem seco, tornara-se oco por dentro, livre de sentimentos nobres.
Naquela manhã de quinta-feira, ele parecia ainda mais ranzinza, ralhando impaciente enquanto trocava a água e a comida das gaiolas. Parou de repor o alimento das aves quando ouviu a sineta que ficava presa à porta da loja tocar, anunciando a chegada de um cliente.
Uma jovem senhora de cabelos descuidados na faixa dos quarenta anos olhava encantada para todos os lados, admirando os espécimes que aquele senhor colecionava em sua loja. Seus olhos percorriam cada gaiola e viveiro que ocupavam as prateleiras e boa parte do chão daquele local, como se procurasse algo em especial. Ao avistar o dono da loja atrás de um pequeno balcão de cerejeira, resolveu dirigir-se a ele.
- Bom dia, senhor.
- Bom dia. O que deseja? – perguntou ele secamente.
- Procuro um Pintassilgo. Tenho um macho e gostaria de comprar uma fêmea para fazer-lhe companhia.
- A senhora tem sorte. Tenho exatamente o que precisa – disse o velho enquanto arrastava-se para os fundos da loja.
Pegou uma escada, posicionou-a no local desejado e, com uma certa dificuldade, começou a subir os degraus. Com a ajuda de uma vara com um prego em sua ponta, alcançou a gaiola feita com talas de bambu onde se encontrava a bela fêmea de pintassilgo e a trouxe para baixo.
Em seguida, voltou para frente da loja, onde sua cliente o aguardava.
- Aqui está. Meu único exemplar de Pintassilgo. Uma bela fêmea.

A jovem senhora segurou a pequena gaiola nas mãos e pôs-se a observar o pássaro que estava dentro dela. A fêmea de Pintassilgo estava agitada. Piava nervosa enquanto batia suas asas mescladas de amarelo e preto tentando, em vão, levantar vôo em seu pequeno cativeiro.
- Ela me parece um pouco arisca – comentou a cliente.
- A vida nos torna ariscos – retrucou o velho enquanto dava as costas para a mulher e voltava para o balcão da loja. Ela pousou a gaiola no chão da loja e o seguiu, sentindo-se um pouco ofendida pela grosseria dele.
- É... Culpar a vida pelas nossas amarguras é bem mais fácil que assumir nossa própria culpa – respondeu ela, fazendo os olhos do homem se estreitarem.
- Não me venha com frases feitas, pois você não sabe nada sobre minha maldita vida – retrucou o velho mostrando-se extremamente irritado com tamanho atrevimento.
- E o senhor acha que é o único no mundo que tem dissabores? Ora bolas, poupe-me dessa baboseira – replicou ela, irritada com o rumo que aquela conversa tinha tomado.
 – vai levar o pintassilgo ou não? – perguntou o velho bruscamente, querendo se ver livre daquela infeliz o mais rápido possível.
- e quanto vai me custar livrar esta ave de seu mau-humor e de sua ridícula autopiedade?
Naquele momento, a discussão dos dois foi interrompida pelo som de algo que parecia ter se despedaçado. Era o som de uma gaiola espatifando-se no chão. O velho dono da loja percorreu os olhos por todo o lugar, de alto a baixo, tentando localizar qual de suas gaiolas tinha despencado.
De repente, um choro agudo e infantil foi ouvido. A cliente imediatamente localizou a fonte do pranto e correu ao encontro de um lindo garotinho loiro de aproximadamente três anos de idade que se encontrava caído em cima da gaiola que, até poucos instantes atrás, tinha sido a prisão da fêmea de pintassilgo.
A mulher levantou o menino e o colocou em seus braços, embalando-o de forma carinhosa, na intenção de fazê-lo parar de chorar. Os joelhos do pequenino estavam ralados e ele apontava para eles enquanto suas lágrimas caiam daqueles lindos olhos azuis, como se quisesse dizer aquela mulher que estava sentindo muita dor.

- Eu sei meu querido. Está doendo não é? Mas vai passar... Vai passar – dizia enquanto o balançava em seu colo.
A mulher não pôde deixar de perceber os traços peculiares no rosto do garoto. Não teve dúvidas, era um garoto especial – tinha síndrome de Down.
- Maldição – gritou o velho assim que viu o menino choramingando nos braços da mulher. – Veja só o que você fez seu imprestável. Há uma semana que não consigo vender nenhum dos meus pássaros. Justamente no dia em que isto parecia que iria mudar, você me estraga tudo – brigou ao perceber que o pintassilgo tinha fugido após o garoto tropeçar e quebrar a gaiola.

- Não seja estúpido. Ele é só uma criança – revoltou-se a mulher enquanto o menino escondia o rosto em seus ombros.
- Um fardo. Isso é o que ele realmente é – esbravejou o pai do garoto enquanto recolhia as talas de bambu da gaiola quebrada e as jogava na rua.
 Naquele mesmo instante, a mulher viu, através dos vidros da porta, quando três garotos risonhos recolheram os restos da gaiola que o velho tinha jogado fora e desapareceram dali em seguida, festejando. Ela estranhou a alegria imensa que eles tinham feito por causa de míseros pedaços quebrados de bambu. Porém, logo voltou seus olhos para o interior da loja, onde o velho continuava se lastimando e murmurando o quanto aquele pivete demente era imprestável.
- Judite – gritou ele, furioso. – Judite, venha aqui agora mesmo.
Imediatamente, uma garota com pouco mais de dezesseis anos, magrinha, com a testa pingando de suor – parecia que estava cuidando dos afazeres domésticos - veio dos fundos da loja e apresentou-se. Parecia assustada.
-Sim papai, pode falar.
- O que você estava fazendo? – perguntou o velho.
- Encerando o chão da sala – respondeu ela apontando para os fundos da loja. Sim, nos fundos do pequeno comércio daquele homem ficava a sua casa.
- Eu já falei para você que não tirasse os olhos desse aí – disse, apontando para o menino loiro que tinha o rosto afundado nos ombros da jovem senhora. - Já disse mil vezes que não quero este demente perambulando pela loja – gritou o homem. Estava fora de si.
Judite então compreendeu o que estava acontecendo ali. Rapidamente, dirigiu-se a mulher que segurava seu irmão enquanto explicava o que tinha acontecido.
- eu deixei o Valentim dormindo e fui cuidar de limpar a casa. Não percebi que ele tinha acordado. Desculpe-me papai – desculpou-se ela enquanto tirava o menino dos braços da mulher.
- O que diabos está acontecendo aqui? – perguntou a cliente, fora de si. – O senhor não se envergonha de tratar seu próprio filho desta maneira? Ele é só uma criança – indignou-se ela enquanto o garoto continuava chorando nos braços da irmã.

- Leve o garoto daqui imediatamente – ralhou o velho, ignorando a fala da mulher – e faça-o se calar. Detesto esta choradeira.
- sim papai – respondeu Judite.
- Os joelhos do menino estão machucados, seu verme. Como quer que ele se cale?
- ponha-se daqui para fora, sua metida de uma figa. Deixe que dos meus filhos cuido eu.
- Tudo bem, senhora. Sei como cuidar do Valentim. Obrigada por se preocupar – disse uma tímida e cabisbaixa Judite.
- Tem certeza de que não precisa de ajuda, minha querida? – perguntou a mulher – você me parece tão jovem para cuidar de uma criança.
                - Será que você pode cair fora da minha loja ou vou ser obrigado a usar de força bruta? – bradou o velho. Sua paciência esgotada.
                - É bem a sua cara usar de força bruta, seu estúpido – respondeu a mulher. Em seguida, deu um beijo nos cabelos de Valentim e alisou o ombro de Judite. Sem que o velho pudesse notar, colocou um cartão dentro do avental que a adolescente vestia e sussurrou em seus ouvidos:
                - Me ligue se precisar de ajuda.
                Judite assentiu positivamente com a cabeça e retribuiu aquele gesto com um tímido, porém encantador sorriso. A mulher girou em seus calcanhares e pôs-se para fora dali.
Já do lado de fora, sentou-se em um banco de praça que ficava em frente à loja de pássaros e deu um longo e frustrado suspiro. Começou a se perguntar o que tinha acontecido na vida daquele velho para que ele tivesse ficado tão estúpido e sem coração. “onde já se viu tratar seu próprio filho, um garotinho de apenas três anos de idade, com tamanho desdém?” lamentava-se ela para si mesma.

Então começou a perceber que, dentro daquela loja, não eram só os pássaros que viviam em gaiolas. As prisões daquele lugar transcendiam os objetos feitos de bambu.
O velho tinha encarcerado seus sentimentos em uma masmorra de gelo; tinha condenado seus filhos a viver sem amor, sem afeto. As feições temerosas da própria Judite já mostravam como ela enxergava o pai: um carcereiro. O homem cruel a quem ela deveria apenas obedecer. Sempre, incondicionalmente.

E Valentim? O garoto especial. Tão pequeno e já fadado ao cárcere emocional que seu pai impunha. A mulher desejou do fundo do seu coração que aquele menino um dia pudesse ter a mesma sorte da pintassilgo fêmea que ele, sem querer, tinha libertado. Esperava que um dia ele também pudesse ter o imenso prazer de bater suas asas e fugir para bem longe de sua prisão.
 “Como aquele velho se tornou tão ranzinza?” Ela não cansava de se perguntar. De repente, sua atenção foi desviada por gritos esfuziantes que se aproximavam dela. Lá estavam os três garotos que tinham recolhido as talas de bambu da gaiola quebrada. Ao perceber o que faziam, deu-se conta do motivo daquela felicidade imensa que eles demonstraram ao apanharem os restos da gaiola minutos atrás.
Eles corriam de um lado para o outro, empinando lindas pipas multicoloridas. Seus cabelos esvoaçavam ao sabor do vento enquanto a brisa morna de verão levava suas pipas para o alto... Cada vez mais para o alto... Para os céus.

A mulher olhou para as pipas que os garotos empinavam. Elas tinham sido feitas com as mesmas talas de bambu que um dia aprisionaram o pintassilgo. Por um bom tempo elas significaram prisão, cárcere, solidão, infelicidade. Agora, unidas com papel de seda e linha, pairavam graciosas pelos céus daquela cidade. Simbolizavam liberdade.
Então ela sentiu um louco desejo de ser uma libertadora. Sentiu vontade de arrombar as portas da loja de pássaros, quebrar todas as gaiolas, libertar os animais que ali estavam aprisionados. Seu desejo cresceu, e sentiu vontade de trazer liberdade para Valentim, para Judite... Para o velho ranzinza.  Por fim percebeu que desejava liberdade para si mesma. Não sabia por onde começar, não sabia direito o que fazer. Desejou ser pipa... Queria unir-se a papel de seda e linha... Ser livre...
De repente, ouviu um som que já lhe era muito familiar. Olhou para uma imensa arvore que ladeava aquele banco de praça no qual estava sentada. Ali estava a pintassilgo fêmea, cantarolando lindamente... Festejando sua liberdade... Entoando um canto de gratidão ao pequeno Valentim.

A jovem senhora levantou-se do banco e deu um profundo suspiro. Daquela vez, era um suspiro de felicidade. Finalmente sabia por onde começar. Em sua casa tinha um pintassilgo aprisionado esperando loucamente por sua liberdade. Então deu uma última olhada para a loja de aves e um sorriso lhe escapou pelo canto dos lábios. Era como se aquele sorriso fosse uma promessa: “Não desistirei de vocês.” Seguiu em frente, caminhando pelas ruas daquela cidade com um pensamento em mente: A diferença está em como você vai usar as talas de bambu.

Thiago Almeida